Disponibilização: Quinta-feira, 28 de Fevereiro de 2013
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 2ª Instância
São Paulo, Ano VI - Edição 1364
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admissibilidade, conheço do recurso do Estado, mas a ele nego seguimento com solução extensiva ao reexame necessário, por
manifestar pretensão contrária à jurisprudência pacífica sobre o tema. O artigo 6° da nossa Constituição Federal estabelece que
a saúde é um direito social. E os direitos sociais são direitos fundamentais, pois vêm elencados em um dos capítulos do título
“DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS”. Por outro lado, como adverte o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
“Como as liberdades públicas, os direitos sociais são direitos subjetivos. Entretanto, não são meros poderes de agir - como é
típico das liberdades públicas de modo geral - mas sim poderes de exigir. São direitos de crédito” (Direitos Humanos
Fundamentais, 3ª edição, página 49). O artigo 196 da nossa Constituição Federal, por sua vez, deixa claro que a saúde é direito
de todos e dever do Estado. Com efeito, o direito à saúde além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as
pessoas representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. Por outro lado, a dignidade da pessoa humana,
conjunto de direitos que inclui tratamento de saúde menos gravoso, está tipificada dentre os fundamentos e não dentre os
objetivos da Constituição Federal, não devendo, por isso, ser tratada como um simples dever-ser sem qualquer eficácia imediata.
E se tratam de normas constitucionais expressas, de plena eficácia, que não exigem regulamentação da matéria por legislação
complementar. Além disso, o parágrafo primeiro do artigo 5º da Constituição Federal estabelece expressamente que “As normas
definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. No mais, não há que se falar em carência de ação, por
inadequação da via eleita. A prova documental constante dos autos é suficiente para apreciação do pedido, pois há prescrição
médica idônea subscrita por profissional habilitado, a comprovar a necessidade do medicamento indicado (fls. 15 e 22) e a
impetrante demonstrou não ter condições de arcar com o referido tratamento (fl. 13). Do mesmo modo, é irrelevante o fato de os
medicamentos não serem aprovados pelo Ministério da Saúde, pois conforme manifestação da Douta Procuradoria Geral de
Justiça, “(...) o serviço médico não constitui monopólio estatal, estando aberto à iniciativa privada, sem prejuízo, evidentemente,
do controle do poder público sobre a profissão médica, conforme diretriz contida no art. 199 da CF”(fl. 111). E também não há
que se falar em prestação de contas pela impetrante, vez que o julgado foi bem delimitado pelo Juízo a quo, que condicionou a
dispensação dos medicamentos e insumos à demonstração mensal da necessidade e da quantidade (fl. 77). A apelada é
hipossuficiente e, por estar acometida de Enurese Noturna Persistente, necessita do tratamento que mais lhe garanta uma vida
com o mínimo de dignidade. Nesse sentido é o entendimento pacífico da jurisprudência: Apelação Cível Administrativo Fornecimento de medicamento - Sentença de improcedência - Recurso voluntário do autor - Provimento de rigor - O fornecimento
de medicamento decorre de direito constitucional basilar e de atendimento impostergável, refletido em norma de que a saúde é
direito universal e de responsabilidade do Poder Público - Tendo o médico que assiste ao autor indicado a medicação em
questão como necessária para o tratamento e controle da doença, presume-se idônea a prescrição - Órgãos de saúde que não
podem interferir no tratamento ministrado - Sentença reformada - Recurso voluntário provido. (TJ/SP Apelação nº 026525572.2010.8.26.0000, Relator Sidney Romano dos Reis, julgamento em 02/05/2011). 1. A ordem constitucional vigente, em seu art.
196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos
necessitados não “qualquer tratamento”, mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade
e menor sofrimento. 2. Sobreleva notar, ainda, que hoje é patente a idéia de que a Constituição não é ornamental, não se
resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação
das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo,
merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana. (STJ Recurso
em Mandado de Segurança nº 24.197/PR; Relator Ministro Luiz Fux; julgamento em 04/05/2010). E o fato de a administração
pública procurar estabelecer critérios para o atendimento à saúde, de uma forma geral, não a autoriza deixar de atender direito
fundamental individual, assegurado expressamente pela Constituição da República. Por outro lado, o Princípio da Isonomia
entre os administrados e o da Universalidade impõem que o Estado, por intermédio de todos os seus entes federativos, cumpra
o seu dever de garantir o direito à saúde, de forma digna, em relação a todos que necessitem do seu auxílio. E tratando-se de
obrigação constitucional relativa a direito fundamental do cidadão não se pode aceitar a defesa da limitação orçamentária. A
Constituição Federal já está em vigor há mais de vinte anos, sem que o Poder Público tenha se preparado para, de modo
adequado e cabal, para cumprir suas determinações prioritárias. E, como já julgou esta Colenda 6ª Câmara de Direito Público,
“não pode o Poder Público, a pretexto de ausência de recursos orçamentários ou necessidade de prévia dotação orçamentária,
deixar de cumprir a norma constitucional, mais do que isso, um verdadeiro direito fundamental ao direito à saúde” (Ap. n.
0366382-87.2009.8.26.0000, rel. Des. SIDNEY ROMANO DOS REIS, j. 02.04.12). No mais, como já foi dito, o direito fundamental
do indivíduo à saúde, que engloba o dever dos entes políticos ao fornecimento gratuito de medicamentos e outros recursos
necessários ao seu tratamento, vem sendo reconhecido de forma pacífica pelos nossos Tribunais, que, da mesma forma, têm
entendido válida a intervenção do Poder Judiciário para garantia desse direito, como se vê pelos julgados abaixo: Vale destacar,
ainda, que, quanto ao medicamento pleiteado, mesmo que não esteja disponível na lista do Sistema Único de Saúde, não se
exclui o direito da impetrante em obtê-lo, devendo o Município fornecê-lo sem entraves burocráticos, considerando que a
medicação foi prescrita por profissional devidamente credenciado, o que atesta a idoneidade da indicação do melhor tratamento
à sua paciente. (TJ/SP Apelação nº 0013854-58.2010.8.26.0019. Relator Wanderley José Federighi, Julgamento em 04/07/2012,
V.U.). 2. O entendimento majoritário desta Corte Superior é no sentido de que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios
são solidariamente responsáveis pelo fornecimento de medicamentos às pessoas carentes que necessitam de tratamento
médico, o que autoriza o reconhecimento da legitimidade passiva ad causam dos referidos entes para figurar nas demandas
sobre o tema. (STJ - AgRg no Recurso Especial nº 1.159.382-SC; Relator Ministro Mauro Campbell Marques; julgamento em
05/08/2010, V.U.). Por fim, o Egrégio Supremo Tribunal Federal também vem reiteradamente repelindo a tese jurídica do
apelante: Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da
União, do estado e do município providenciá-lo. Nesse sentido, AI 396.973 (rel. min. Celso de Mello, DJ 30.04.2003), RE 297.276
(rel. min. Cezar Peluso, DJ 17.11.2004) e AI 468.961 (rel. min. Celso de Mello, DJ 05.05.2004). Sendo assim, qualquer dos
entes da Federação pode ser compelido a prestar o tratamento pleiteado por pessoa que dele necessite e não possua condições
de arcar com os custos a ele inerentes. (STF Ag.Reg. no Agravo de Instrumento 550.530/PR; Relator Ministro Joaquim Barbosa;
julgamento em 26/06/2012 V.U.). Inquestionável, portanto, o direito ao fornecimento, pelo Estado, da tutela de saúde que
necessita o cidadão e, por isso, autorizada a negativa de seguimento deste recurso de plano, como, aliás, tem sido julgado
também por esta Col. 6º Câmara de Direito Público: DECISÃO MONOCRÁTICA Apelação Cível Ação Ordinária Medicamento
Pretensão de fornecimento pela Municipalidade Sentença de Procedência Recurso da Municipalidade Negativa de seguimento
do recurso de plano. 1. A situação processual dos autos autoriza o julgamento monocrático Inteligência do art. 557, “caput”, do
CPC. 2. O direito à saúde é direito constitucional basilar e de atendimento impostergável, refletido em norma de que a saúde é
direito universal e de responsabilidade do Poder Público, em todos os seus níveis, e com vistas não somente na redução da
incidência de doenças como na melhora das condições e qualidade de vida dos cidadãos em geral e, sobretudo, do direito à
vida e sua preservação. Inteligência do art. 196 da CF/88 Decisão que, ademais, não afronta a autonomia estatal ou o princípio
da separação dos poderes, pois cabe ao Poder Judiciário prestar a tutela jurisdicional quando direitos prioritários não são
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º