Disponibilização: quinta-feira, 19 de agosto de 2021
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I
São Paulo, Ano XIV - Edição 3344
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durante a noite, em rua pouco iluminada, e, por isso, não conseguiu parar totalmente o veículo. Além disso, argumentou que a
autora atravessou a rua em local inapropriado, sem a cautela necessária e desacompanhada de seu responsável, pois, à época,
contava com 12 (doze) anos. Trata-se de fato incontroverso o acidente de trânsito que causou lesões corporais na requerente, o
que restou corroborado pelos documentos juntados (fls. 23/46, fls. 180/194 e fls. 384/397), inquérito policial (fls. 277/332) e
laudo pericial (fls. 414/426) produzido nos autos. Por outro lado, resta controvertida a dinâmica dos fatos, quem deu causa ao
referido acidente de trânsito (culpa) e, ainda, a extensão dos danos ocasionados à requerente. Após detida análise dos autos, é
possível concluir pela responsabilidade do requerido, senão vejamos. Com efeito, logrou a prova oral e documental demonstrar
que a requerente acompanhada de sua amiga iniciou a travessia de rua localizada em frente à sua residência, quando uma
motocicleta parou que elas passassem. Quando finalizavam a travessia, repentinamente, foram atropeladas pelo veículo
conduzido pelo requerido. Assim, transcrevo os depoimentos das testemunhas arroladas pela requerente e requerido. A
testemunha Beatriz Luciene Braz, ouvida na qualidade de informante, apontou que o acidente afetou muito a vida da requerente,
que jogava vôlei, andava e hoje só se mantém isolada. Explicou que a requerente perdeu muitos anos na escola e nunca mais
jogou vôlei, que era o sonho dela. Informou que não viu o acidente e soube por uma amiga que o carro veio correndo e jogou a
requerente e amiga longe. Afirmou que o acidente ocorreu na via, no paralelepípedo, e que não tem faixa de pedestres no local.
Esclareceu que alas estavam sozinhas, mas na porta da casa delas. Afirmou que é uma via iluminada e, na data dos fatos, não
havia caçamba no local. Apontou que frequentava a casa da requerente e, ainda, que a rua é movimentada de dia, mas à noite
não, momento do acidente. A testemunha Ana Luzia Leite, tia da requerente, apontou que trabalha em um trailer, três quadras
antes do local dos fatos. Informou que a sobrinha foi chamar para prestar ajuda, momento em que já tinha chegado o SAMU e
as meninas estavam caídas no chão. Esclareceu que acompanhou a requerente no SAMU e que esta estava agitada. Informou
que ficou sabendo por terceiros que o requerido tinha passado em alta velocidade e que as meninas voaram por cima do carro.
Explicou que as meninas já estavam subindo na calçada, mas ainda estavam na via. Disse que não sabe se tem faixa de
pedestres, que o Requerido estava no local e não sabe se este prestou socorro. Aduziu que a mãe da outra vítima partiu pra
cima do requerido. Informou que ia ao hospital para ficar com a requerente. Declarou que houve limitação física da requerente e
que o requerido auxiliou somente uma vez com combustível de seu carro para fazer visita à requerente e uma vez mandou cesta
de frutas. Informou que, no momento do acidente, a requerente estava com amiga e a sua mãe estava em casa (em frente ao
local). Explicou que o local não é muito movimentado e que a rua é iluminada. A testemunha Lourenço Donizete Galdino declarou
que presenciou acidente. Esclareceu que, saindo da missa de moto com sua ex-namorada, avistou as meninas e parou pra elas
passarem; nesse momento, o requerido atingiu as meninas. Apontou que não tem faixa de pedestre no local. Explicou que o
requerido veio no sentido oposto e que não tinha nada que cobrisse sua visão. Informou que o réu parou e ficou dentro do carro.
Explicou que sua ex-namorada começou a passar mal e, por isso, foi embora. Não soube dizer se o requerido estava em alta
velocidade. Declarou que as meninas estavam atravessando a rua normalmente, andando, e que a requerente olhou para os
dois lados para fazer a travessia. A testemunha Simone Aparecida Silva, genitora da outra menina que foi atropelada, informou
que mora perto do local e não presenciou acidente. Explicou que a irmã da requerente foi avisá-la sobre o acidente e, na hora
que chegou ao local, as duas estavam desmaiadas. Esclareceu que foi tirar satisfação com o requerido e este disse que não
tinha sido ele que atropelou. Apontou que voltou ao local onde as meninas estavam e o requerido foi embora. Disse que soube
por terceiros que, no momento do acidente, as meninas já estavam chegando na calçada, no paralelepípedo. Explicou que no
local não tem faixa de pedestre. Afirmou que o requerido estava bêbado e soube que estava em alta velocidade. Esclareceu que
as meninas estavam na rua em que a requerente morava. Do mesmo modo, a cópia do inquérito policial colacionado aos autos
demonstra que o requerido, em depoimento (fls. 309), informou que trafegava pela via do local dos fatos, sentido bairro e que,
quando estava quase chegando em uma curva, avistou a requerente e sua amiga atravessando a rua. Apontou que um
motociclista que vinha em sentido contrário acionou o freio para travessia das meninas, mas ele não conseguiu frear e, com
isso, foram atropeladas pelo seu veículo. Ainda, ambos os ocupantes da referida motocicleta afirmaram que o requerido estava
em alta velocidade (fls. 325 e 328) e trafegava em uma rua reta. Assim, restando esclarecida a dinâmica dos fatos pelas provas
apresentadas, passa-se à análise do elemento culpa. Pois bem. De início, importante apontar que, nos termos do artigo 28 do
Código de Trânsito Brasileiro, o condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e
cuidados indispensáveis à segurança do trânsito. No caso, a versão apresentada pelo requerido de que trafegava com cautela,
em rua reta, não apresenta verossimilhança, pois, se realmente estivesse em velocidade compatível com vias coletoras urbanas,
ou seja, 40Km/h (artigo 61, §1º, I, “c” do CTB), haveria tempo hábil para frear o veículo no momento em que avistou as meninas
atravessando a rua. E, conforme bem esclarecido pelas testemunhas, a via de trânsito do local dos fatos não é movimentada,
possui boa iluminação e não havia nada que pudesse lhe encobrir a visão. Ainda, as testemunhas registraram a inexistência de
faixa de pedestres no local. Logo, evidente a imprudência perpetrada pelo requerido, a qual somente poderia ser elidida por
prova cabal em sentido contrário, o que não ocorreu. Cumpre ainda apontar que os danos ocasionados na requerente, a qual
sofreu traumatismo craniano grave, ficou por dois meses em UTI, permanece com sequelas físicas e restrição de movimentos,
não condizem com um atropelamento onde o veículo estivesse a 40Km/h. Some-se, ainda, o fato de que a testemunha Lourenço
parou seu veículo para a requerente passar, o que corrobora a análise de que o acidente era evitável. E, embora não seja
recomendável que uma menina de doze anos atravesse a rua desacompanhada de um responsável, isso não é capaz de eliminar
a culpa do requerido ou de ser considerado como fator de concorrência de culpa. Portanto, não se vislumbra que o requerido
estivesse dirigindo com cautela, pois, do contrário, com certeza teria observado a travessia da requerente a tempo de frear o
veículo. Assim, a culpa deve ser carreada integralmente ao requerido. Configurada a culpa do requerido, examina-se os danos
reclamados na inicial. A requerente pleiteia a condenação do requerido ao pagamento de 500 salários mínimos a título de danos
morais, R$ 150.000,00 a título de danos materiais, R$ 100.000,00 a título de danos estéticos, um salário mensal a título de
pensão vitalícia, pagamento das cirurgias reparadoras na coluna e costas da requerente. Os danos materiais não podem ser
acolhidos integralmente. Deveras, a requerente relaciona diversos comprovantes de pagamento, e alguns comprovantes/itens
não guardam relação com o fato, a saber, desodorante, absorvente, fio dental, chiclete, compra de alimentos, pois são itens de
consumo comum a todas às pessoas, independentemente de circunstâncias como a dos autos. Dessa forma, a requerente
deverá apresentar em liquidação de sentença, novos cálculos de seus danos materiais, de acordo com os comprovantes de fls.
48/54, excluindo os gastos com alimentos, itens de higiene e tudo que não guarde relação direta e imediata com os danos,
conforme art. 403 do Código Civil Ademais, denoto que é facilmente perceptível que o dano moral da requerente é matéria que
foge ao rol de eventos corriqueiros e meros dissabores inerentes à vida cotidiana, para adentrar no campo de situações a serem
tuteladas pelo Poder Judiciário. O ocorrido configurou patente dano moral, uma vez que a requerente, vítima de atropelamento,
contava com apenas 12 (doze) anos de idade quando do acidente automobilístico, permaneceu internada em hospital por três
meses, perdeu dois anos escolares, possui sequelas físicas e se mantém em tratamento até hoje, passados mais de oito anos.
Tais circunstâncias são consequência do acidente e evidenciam a significativa dor moral vivida pela requerente. Houve clara
violação à honra da ofendida a ensejar a responsabilização do requerido pelos conseguintes danos morais causados. Há, pois,
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º